Por Altamiro Borges
“Se acreditais que enforcando-nos podeis conter o movimento operário,
esse movimento constante em que se agitam milhões de homens que vivem na
miséria, os escravos do salário; se esperais salvar-vos e acreditais
que o conseguireis, enforcai-nos! Então vos encontrarei sobre um vulcão,
e daqui e de lá, e de baixo e ao lado, de todas as partes surgirá a
revolução. É um fogo subterrâneo que mina tudo”. Augusto Spies, 31 anos,
diretor do jornal Diário dos Trabalhadores.
"Se tenho que ser enforcado por professar minhas idéias, por meu amor à
liberdade, à igualdade e à fraternidade, então nada tenho a objetar. Se a
morte é a pena correspondente à nossa ardente paixão pela redenção da
espécie humana, então digo bem alto: minha vida está à disposição. Se
acreditais que com esse bárbaro veredicto aniquilais nossas idéias,
estais muito enganados, pois elas são imortais''. Adolf Fischer, 30
anos, jornalista.
“Em que consiste meu crime? Em ter trabalhado para a implantação de um
sistema social no qual seja impossível o fato de que enquanto uns, os
donos das máquinas, amontoam milhões, outros caem na degradação e na
miséria. Assim como a água e o ar são para todos, também a terra e as
invenções dos homens de ciência devem ser utilizadas em benefício de
todos. Vossas leis se opõem às leis da natureza e utilizando-as roubais
às massas o direito à vida, à liberdade e ao bem-estar”. George Engel,
50 anos, tipógrafo.
“Acreditais que quando nossos cadáveres tenham sido jogados na fossa
tudo terá se acabado? Acreditais que a guerra social se acabará
estrangulando-nos barbaramente. Pois estais muito enganados. Sobre o
vosso veredicto cairá o do povo americano e do povo de todo o mundo,
para demonstrar vossa injustiça e as injustiças sociais que nos levam ao
cadafalso”. Albert Parsons lutou na guerra da secessão nos EUA.
As corajosas e veementes palavras destes quatro líderes do jovem
movimento operário dos EUA foram proferidas em 20 de agosto de 1886,
pouco após ouvirem a sentença do juiz condenando-os à morte. Elas estão
na origem ao 1º de Maio, o Dia Internacional dos Trabalhadores. Na atual
fase da luta de classes, em que muitos aderiram à ordem burguesa e
perderam a perspectiva do socialismo, vale registrar este marco
histórico e reverenciar a postura classista destes heróis do
proletariado. A sua saga serve de referência aos que lutam pela
superação da barbárie capitalista.
A origem do 1º de Maio está vinculada à luta pela redução da jornada de
trabalho, bandeira que mantém sua atualidade estratégica. Em meados do
século XIX, a jornada média nos EUA era de 15 horas diárias. Contra este
abuso, a classe operária, que se robustecia com o acelerado avanço do
capitalismo no país, passou a liderar vários protestos. Em 1827, os
carpinteiros da Filadélfia realizaram a primeira greve com esta
bandeira. Em 1832, ocorre um forte movimento em Boston que serviu de
alerta à burguesia. Já em 1840, o governo aprova o primeiro projeto de
redução da jornada para os funcionários públicos.
Greve geral pela redução da jornada
Esta vitória parcial impulsionou ainda mais esta luta. A partir de 1850,
surgem as vibrantes Ligas das Oito Horas, comandando a campanha em todo
o país e obtendo outras conquistas localizadas. Em 1884, a Federação
dos Grêmios e Uniões Organizadas dos EUA e Canadá, futura Federação
Americana do Trabalho (AFL), convoca uma greve nacional para exigir a
redução para todos os assalariados, “sem distinção de sexo, ofício ou
idade”'. A data escolhida foi 1º de Maio de 1886 - maio era o mês da
maioria das renovações dos contratos coletivos de trabalho nos EUA.
A greve geral superou as expectativas, confirmando que esta bandeira já
havia sido incorporada pelo proletariado. Segundo relato de Camilo
Taufic, no livro “'Crônica do 1º de Maio”, mais de 5 mil fábricas foram
paralisadas e cerca de 340 mil operários saíram às ruas para exigir a
redução. Muitas empresas, sentindo a força do movimento, cederam: 125
mil assalariados obtiveram este direito no mesmo dia 1º de Maio; no mês
seguinte, outros 200 mil foram beneficiados; e antes do final do ano,
cerca de 1 milhão de trabalhadores já gozavam do direito às oito horas.
“Chumbo contra os grevistas”, prega a imprensa
Mas a batalha não foi fácil. Em muitas locais, a burguesia formou
milícias armadas, compostas por marginais e ex-presidiários. O bando dos
“'Irmãos Pinkerton” ficou famoso pelos métodos truculentos utilizados
contra os grevistas. O governo federal acionou o Exército para reprimir
os operários. Já a imprensa burguesa atiçou o confronto. Num editorial, o
jornal Chicago Tribune esbravejou: “O chumbo é a melhor alimentação
para os grevistas. A prisão e o trabalho forçado são a única solução
possível para a questão social. É de se esperar que o seu uso se
estenda”.
A polarização social atingiu seu ápice em Chicago, um dos pólos
industriais mais dinâmicos do nascente capitalismo nos EUA. A greve,
iniciada em 1º de Maio, conseguiu a adesão da quase totalidade das
fábricas. Diante da intransigência patronal, ela prosseguiu nos dias
seguintes. Em 4 de maio, durante um protesto dos grevistas na Praça
Haymarket, uma bomba explodiu e matou um policial. O conflito explodiu.
No total, 38 operários foram mortos e 115 ficaram feridos.
Os oito mártires de Chicago
Apesar da origem da bomba nunca ter sido esclarecida, o governo decretou
estado de sítio em Chicago, fixando toque de recolher e ocupando
militarmente os bairros operários; os sindicatos foram fechados e mais
de 300 líderes grevistas foram presos e torturados nos interrogatórios.
Como desdobramento desta onda de terror, oito líderes do movimento - o
jornalista Auguste Spies, do “'Diário dos Trabalhadores”', e os
sindicalistas Adolf Fisher, George Engel, Albert Parsons, Louis Lingg,
Samuel Fielden, Michael Schwab e Oscar Neebe - foram detidos e levados a
julgamento. Eles entrariam para a história como “Os Oito Mártires de
Chicago”.
O julgamento foi uma das maiores farsas judiciais da história dos EUA. O
seu único objetivo foi condenar o movimento grevista e as lideranças
anarquistas, que dirigiram o protesto. Nada se comprovou sobre os
responsáveis pela bomba ou pela morte do policial. O juiz Joseph Gary,
nomeado para conduzir o Tribunal Especial, fez questão de explicitar sua
tese de que a bomba fazia parte de um complô mundial contra os EUA.
Iniciado em 17 de maio, o tribunal teve os 12 jurados selecionados a
dedo entre os 981 candidatos; as testemunhas foram criteriosamente
escolhidas. Três líderes grevistas foram comprados pelo governo,
conforme comprovou posteriormente a irmã de um deles (Waller).
A maior farsa judicial dos EUA
Em 20 de agosto, com o tribunal lotado, foi lido o veredicto: Spies,
Fisher, Engel, Parsons, Lingg, Fielden e Schwab foram condenados à
morte; Neebe pegou 15 anos de prisão. Pouco depois, em função da onda de
protestos, Lingg, Fielden e Schwab tiveram suas penas reduzidas para
prisão perpétua. Em 11 de novembro de 1887, na cadeia de Chicago, Spies,
Fisher, Engel e Parsons foram enforcados. Um dia antes, Lingg morreu na
cela em circunstâncias misteriosas; a polícia alegou “suicídio”. No
mesmo dia, os cinco “'Mártires de Chicago” foram enterrados num cortejo
que reuniu mais de 25 mil operários. Durante várias semanas, as casas
proletárias da região exibiram flores vermelhas em sinal de luto e
protesto.
Seis anos depois, o próprio governador de Illinois, John Altgeld, mandou
reabrir o processo. O novo juiz concluiu que os enforcados não tinham
cometido qualquer crime, “tinham sido vitimas inocentes de um erro
judicial”. Fielden, Schwab e Neebe foram imediatamente soltos. A morte
destes líderes operários não tinha sido em vão. Em 1º de Maio de 1890, o
Congresso dos EUA regulamentou a jornada de oito horas diárias. Em
homenagem aos seus heróis, em dezembro do mesmo ano, a AFL transformou o
1º de Maio em dia nacional de luta. Posteriormente, a central sindical,
totalmente corrompida e apelegada, apagaria a data do seu calendário.
Em 1891, a Segunda Internacional dos Trabalhadores, que havia sido
fundada dois anos antes e reunia organizações operárias e socialistas do
mundo todo, decidiu em seu congresso de Bruxelas que “no dia 1º de Maio
haverá demonstração única para os trabalhadores de todos os países, com
caráter de afirmação de luta de classes e de reivindicação das oito
horas de trabalho”. A partir do congresso, que teve a presença de 367
delegados de mais de 20 países, o Dia Internacional dos Trabalhadores
passou a ser a principal referência no calendário de todos os que lutam
contra a exploração capitalista.
Reproduzido na integra de: http://ajusticeiradeesquerda.blogspot.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário