Pilares
da estupidez: sem reação, hitlernautas ameaçam a democracia ao pregar
intervenção militar e espalhar falsidades
Está em curso, há anos, nas “redes sociais” insidiosa campanha de
agressão à democracia e crescentes ataques às instituições.
Quem cala, consente. Os governos do PT têm feito, em todo esse período,
cara de paisagem. Nem mesmo quando diretamente insultados, ou caluniados, os
dirigentes do partido tomaram qualquer providência contra quem os atacava, ou
atacava as instituições, esquecendo-se de que, ao se omitirem, a primeira
vítima foi a democracia. Nisso, sejamos francos, foram precedidos por todos os
governos anteriores, que chegaram ao poder depois da redemocratização do país.
Mergulhados na luta política e na administração cotidiana dos problemas
nacionais, nenhum deles percebeu que o primeiro dever que tínhamos, nesta
nação, depois do fim do período autoritário, era regar e proteger a frágil flor
da Liberdade, ensinando sua importância e virtudes às novas gerações, para que
sua chama não se apagasse no coração dos brasileiros.
Se, naquele momento, o da batalha pela reconquista do Estado de Direito,
cantávamos em letras de rock que queríamos votar para presidente, hoje parece
que os polos da razão foram trocados, e que vivemos sob a égide da insânia e da
vilania.
Em absoluta inversão de valores, da ética, da informação, da própria
história, retorna a velha balela anticomunista de que Jango — um latifundiário
liberal ligado ao trabalhismo — ia implantar uma ditadura cubano-soviética no
Brasil, ou que algumas dezenas de estudantes poderiam derrubar, quatro anos
depois, um regime autoritário fortemente armado, quando não havia nenhuma
condição interna ou externa para isso.
Agora, para muitos que se manifestam pela internet, quem combatia pela
democracia virou terrorista, os torturadores são incensados e defendidos, e
prega-se abertamente o fim do Estado de Direito, como se o fascismo e o
autoritarismo fossem solução para alguma coisa, ou o Brasil não fosse ficar,
política e economicamente, imediata e absolutamente, isolado do resto do mundo,
caso fosse rompida a normalidade constitucional.
Ora, os mesmos internautas que insultam, hoje, o Judiciário, sem serem
incomodados — afirmando que o ministro Toffoli fraudou as eleições — já
atacaram pesadamente Aécio Neves e sua família, quando ele disputava a
indicação como candidato à Presidência pelo PSDB em 2010.
São eles os mesmos que agridem os comandantes militares, acusando-os de
serem “frouxos” e estarem controlados pelos comunistas, e deixam claro seu
desprezo pelas instituições brasileiras, incluindo as Forças Armadas, pedindo
em petição pública à Casa Branca uma intervenção dos Estados Unidos no Brasil,
como se fôssemos reles quintal dos EUA, quando são eles os que se comportam
como abjetos vira-latas, em sua patética submissão ao estrangeiro.
São eles os que defendem o extermínio dos nordestinos e a divisão do
país, como se apenas naquela região a candidata da situação tivesse obtido
maioria, e não estivéssemos todos misturados, ou nos fosse proibida a travessia
das fronteiras dos estados.
São eles que inventam generais de araque, supostos autores de manifestos
igualmente falsos, e usam, sem autorização, o nome de oficiais da reserva, em
documentos delirantes, tentando manipular, a todo momento, a base das Forças
Armadas e as forças de segurança, dando a impressão de que existem sediciosos
no Exército, na Marinha, na Aeronáutica, quando as três forças se encontram
unidas, na execução de projetos como o comando das Operações de Paz da ONU no
Haiti e no Líbano; as Operações Ágata, em nossas fronteiras; o novo Jato
Cargueiro Militar KC-390 da Embraer; o novo Sistema de Mísseis Astros 2020 da
Avibras; ou o novo submarino nuclear brasileiro, no cumprimento, com louvor, de
sua missão constitucional.
O site SRZD, do jornalista Sérgio Rezende, entrou em contato com
oficiais militares da reserva, que supostamente teriam “assinado” um manifesto,
que circula, há algum tempo, na internet. O texto se refere a “overdose de
covardia, cumplicidade e omissão dos comandantes militares” e afirma que, como
não há possibilidade de tirar o PT do poder pelas urnas, é preciso dar um golpe
militar, antes que o Brasil se transforme em uma “Cuba Continental”.
Segundo o SRZD, todos os oficiais entrevistados, incluindo alguns
generais, negaram peremptoriamente terem assinado esse “manifesto” e afirmaram
já ter entrado em contato com o Ministério do Exército, denunciando tratar-se o
e-mail que divulgava a mensagem de uma farsa e desmentindo sua participação no
suposto movimento.
Por mais que queiram os novos hitlernautas, os militares brasileiros
sabem que o governo atual não é comunista e que o Brasil não está, como
apregoam os “aloprados” de extrema direita que tomaram conta da internet,
ameaçado pelo comunismo internacional.
Como dizer que é comunista, um país em que os bancos lucram bilhões,
todos os trimestres; em que qualquer um — prerrogativa maior da livre
iniciativa — pode montar uma empresa a qualquer hora, até mesmo com apoio do
governo e de instituições como o Sebrae; no qual investidores de todo o mundo
aplicam mais de 60 bilhões de dólares, a cada 12 meses, em Investimento
Estrangeiro Direto; onde dezenas de empresas multinacionais se instalam, todos
os anos, junto às milhares já existentes, e mandam, sem nenhuma restrição, a
cada fim de exercício, bilhões e bilhões de dólares e euros em remessa de lucro
para e exterior?
Como taxar de comunista um país que importa tecnologia ocidental para
seus armamentos, tanques, belonaves e aeronaves, cooperando, nesse sentido, com
nações como a França, a Suécia, a Inglaterra e os Estados Unidos? Que participa
de manobras militares com os próprios EUA, com países democráticos da América
do Sul e com democracias emergentes, como a Índia e a África do Sul?
Baboso, atrasado, furibundo, ignorante, permanentemente alimentado e
realimentado por mitos e mentiras espatafúrdias, que medram como fungos nos
esgotos mais sombrios da Rede Mundial, o anticomunista de teclado brasileiro é
sobretudo hipócrita e mendaz.
Ele acredita “piamente” que Dilma Rousseff assaltou bancos e matou
pessoas e que José Genoíno esquartejou pessoalmente um jovem, começando
sadicamente pelas orelhas, quando não existe nesse sentido nenhum documento da
ditadura militar.
Ele vê em um site uma foto da Escola Superior de Agricultura da USP, a
Esalq, situada em Piracicaba, e acredita, também, “piamente”, que é uma foto da
mansão do “Lulinha”, que teria virado o maior fazendeiro do país, junto com seu
pai, sem que exista uma única escritura, ou o depoimento — até mesmo
eventualmente comprado — de um simples peão de fazenda ou de um funcionário de
cartório, que aponte para alguma prova ou indício disso, como de outras “lendas
urbanas”, como a participação da família do ex-presidente da República na
propriedade de um grande frigorífico nacional.
Ele crê, piamente, e divulga isso, todo o tempo, que todos os 600 mil
presos brasileiros têm direito a auxílio-reclusão quando quase 50% deles sequer
foram julgados, e menos de 7% recebem esse benefício, e mesmo assim porque
contribuíram normalmente, antes de serem presos, para a Previdência, durante
anos, como qualquer trabalhador comum.
Nada contra alguém ser de direita, desde que se obedeçam as regras
estabelecidas na Constituição. Nesse sentido, o senhor Jair Bolsonaro presta um
serviço à democracia quando diz que falta, no Brasil, um partido com essa
orientação ideológica, e já se declara candidato à Presidência, por essa
provável agremiação, ou por essa parcela do eleitorado, no pleito de 2018.
Os mesmos internautas que pensam que Cuba é uma ditadura contagiosa e
sanguinária, da qual o Brasil não pode se aproximar, ligam para os amigos para
se gabar de seu novo smartphone ou do último gadget da moda, Made in República
Popular da China, que acabaram de comprar.
Eles são os mesmos que leem os textos escritos, com toda a liberdade,
pela opositora cubana Yoami Sanchez — já convenientemente traduzidos por
“voluntários” para 18 diferentes idiomas — e não se perguntam, por que, sendo
Cuba uma ditadura, ela está escrevendo de seu confortabilíssimo, para os
padrões locais, apartamento de Havana, e não pendurada em um pau de arara, ou
tomando choques e sendo espancada na prisão.
Mas fingem ignorar que 188 países condenaram, há alguns dias, em votação
de Resolução da ONU, o embargo dos Estados Unidos contra Cuba, exigindo o fim
do bloqueio.
Ou que os EUA elogiaram e agradeceram a dedicação, qualidade e
profissionalismo de centenas de médicos cubanos enviados pelo governo de Havana
para colaborar, na África, com os Estados Unidos, no combate à pandemia e
tratamento das milhares de vítimas do ebola.
Ou que a Espanha direitista de Mariano Rajoy, e não a Coreia do Norte,
por exemplo, é o maior sócio comercial de Cuba.
Ou que há poucos dias acabou em Havana a XXXIII FIHAV, uma feira
internacional de negócios com 4.500 expositores de mais de 60 países —
aproximadamente 90% deles ocidentais — com a apresentação, pelo governo cubano,
a ávidos investidores estrangeiros, como os italianos, canadenses e chineses,
de 271 diferentes projetos de infraestrutura, com investimento previsto de mais
de 8 bilhões de dólares.
Radical, anacrônica, desinformada e mais realista que o rei, a minoria
antidemocrática que vai, eventualmente, para as ruas e se manifesta
raivosamente na internet querendo falar em nome do país e do PSDB, pedindo o
impeachment da presidente da República e uma intervenção militar, ou dizendo
que é preciso se armar para uma guerra civil, baseia-se na fantasia de que a
nação está dividida em duas e que houve fraude nas urnas, mas se esquece, no
entanto, de um “pequeno” detalhe: quase um terço dos eleitores, ou mais de 31
milhões de brasileiros, ausentes ou donos de votos brancos e nulos, não votaram
nem em Dilma nem em Aécio, e não podem ser ignorados, como se não existissem,
quando se fala do futuro do país.
Cautelosa e consciente da existência de certos limites intransponíveis,
impostos pelo pudor e pela razão, a oposição tem se recusado a meter a mão
nessa cumbuca, fazendo questão de manter razoável distância desse pessoal.
Guindado, pelo voto, à posição de líder inconteste da oposição, o
senador Aécio Neves, presidente do PSDB, por ocasião de seu primeiro discurso
depois do pleito, no Congresso, disse que respeita a democracia permanentemente
e que “qualquer utilização dessas manifestações no sentido de qualquer tipo de
retrocesso terá a nossa mais veemente oposição. Eu fui o candidato das
liberdades, da democracia, do respeito. Aqueles que agem de forma autoritária e
truculenta estão no outro campo político, não estão no nosso campo político”.
Antes dele, atacado por internautas, por ter classificado de
“antidemocráticas” as manifestações pedindo o impeachment da presidente Dilma e
a volta do autoritarismo, o agrônomo e assessor de marketing Xico Graziano,
também do PSDB, já tinha afirmado que “a truculência dessa cambada fascista que
me atacou passa de qualquer limite civilizado. No fundo, eles provaram que eu
estava certo: não são democratas. Pelo contrário, disfarçam-se na liberdade
para esconder seu autoritarismo”.
E o vice-presidente nacional do PSDB, Alberto Goldman, também negou, no
dia primeiro, em São Paulo, que o partido ou a campanha de Aécio Neves
estivessem por trás ou apoiassem — classificando-as de “irresponsáveis” — as
manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.
É extremamente louvável a iniciativa do presidente da OAB, Marcus
Vinícius Furtado Côelho, de pedir a investigação e o indiciamento, que já estão
em curso, pela Polícia Federal, com base na Lei do Racismo por procedência, dos
internautas responsáveis pela campanha contra os nordestinos, lançada logo após
a divulgação do resultado da eleição.
Mas, se essa campanha é grave, mais grave ainda, para toda a sociedade
brasileira, tem sido a pregação constante, que já ocorre há anos, pelos mesmos
internautas, da realização de um Golpe de Estado, do assassinato e da tortura
de políticos e intelectuais de esquerda, e de “políticos” de modo geral, além
do apelo à mobilização para uma guerra civil, incluindo até mesmo a sugestão da
compra de armas para a derrubada das instituições.
Cabe ao STF, ao Ministério Público, ao TSE, e aos tribunais eleitorais
dos estados, que estão diretamente afeitos ao assunto, e à OAB, por meio de
seus dirigentes, pedir, como está ocorrendo nos casos de racismo, a imediata
investigação, e responsabilização, criminal, dos autores desses comentários,
cada vez mais rançosos e afoitos, devido à impunidade, e o estabelecimento de
multas para os veículos de comunicação, que os reproduzem, já que na maioria
deles existem mecanismos de “moderação” que não têm sido corretamente aplicados
nesses casos.
A Lei 7.170 é clara, e define como “crimes contra a Segurança Nacional e
a Ordem Política e Social, manifestações contra o atual regime representativo e
democrático, a Federação e o Estado de Direito”.
Há mais de 30 anos, pelas mãos de Tancredo Neves e de Ulisses Guimarães
— em uma luta da qual Aécio também participou — e de milhões de cidadãos
brasileiros, que foram às ruas, para exigir o fim do arbítrio e a volta do
Estado de Direito, o Brasil reconquistou a democracia, pela qual havia lutado,
antes, a geração de Dilma Rousseff, José Dirceu, José Serra e Aluísio Nunes,
entre outros.
Por mais que se enfrentem, agora, essas lideranças, não dá para apagar,
de suas biografias, que todos tiveram seu batismo político nas mesmas
trincheiras, enfrentando o autoritarismo.
Cabe a eles, principalmente os que ocupam, neste momento, alguns dos
mais altos cargos da República, assumir de uma vez por todas sua
responsabilidade na defesa e proteção da democracia, para que a Liberdade e o
bom-senso não esmoreçam, nem desapareçam, imolados no altar da imbecilidade.
Jornalistas, meios de comunicação, Judiciário, militares, Ministério
Público, Congresso, Governo e Oposição, precisamos, todos, derrubar os pilares
da estupidez, erguidos com o barro pisado, diuturnamente, pelas patas do ódio e
da ignorância, antes que eles ameacem a estabilidade e a sobrevivência da
nação, e da democracia.