Entenda alguns dos pontos sobre o projeto de lei
que garante direitos e estabelece normas de conduta às operadoras e
serviços de aplicação sobre a internet. Por Murilo Roncolato
SÃO PAULO – Após quase três anos em tramitação dentro da Câmara dos
Deputados, o projeto de lei conhecido como Marco Civil da Internet (PL
nº 2126/2011) deve ser votado nesta terça-feira, 25. Sob regime de
urgência desde outubro, o projeto impede demais votações e gera impasse
político entre o PT, partidos aliados e a oposição, com propostas que
tem gerado dúvidas para os eleitores.
Vamos lá: considerado a “Constituição da Internet”, o Marco Civil é
um texto que visa garantir direitos e dar uma base de princípios sobre o
uso da internet pelos brasileiros.
O texto, no entanto, enfrentou resistência da oposição e de setores
sensíveis quanto ao tema, como de empresas do setor de telecomunicações e
interessadas na proteção de direitos autorais, como as empresas de TV e
rádio.
O Marco Civil da Internet chamou atenção justamente por seu processo
de construção. A ideia nasceu de uma parceria em 2009 entre a Secretaria
de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e o Centro de
Tecnologia e Sociedade da FGV/RJ. A meta era permitir que qualquer
cidadão pudesse colaborar na criação de um projeto de lei em uma
plaforma online que tratasse de seus direitos na internet.
O processo todo durou de novembro de 2009 a junho de 2010. Ao ser
encaminhado ao Congresso Nacional, o texto contava com mais de 2 mil
contribuições.
A missão de escrever (ou melhor, “ser o relator”) do projeto ficou
então nas mãos do deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Desde 2011, o
texto não havia sofrido grandes alterações, mesmo enquanto esteve sob
avaliação de uma Comissão Especial entre 2012 e 2013.
Entretanto, após as revelações do ex-agente americano Edward Snowden,
detalhando as ações de vigilância da Agência de Segurança Nacional dos
Estados Unidos,que incluíam o monitoramento espião sobre a Petrobras e a
presidente Dilma Rousseff, o projeto virou motivo de atenção por parte
do governo.
O Executivo então exigiu a inclusão no texto do artigo sobre data
centers (centrais de armazenamentos de dados), indicando que o governo
poderia “obrigar” provedores de conexão e de aplicativos e programas a
“instalarem ou utilizarem estruturas para armazenamento, gerenciamento e
disseminação de dados em território nacional”, levando em conta o seu
faturamento.
Trocando em miúdos: a intenção era de que o sistema judiciário
pudesse ter condições de avaliar dados de brasileiros que são
gerenciados por empresas estrangeiras – como o seu perfil no Facebook ou
o seu email do Google – quando necessário, de acordo com condições
legais. Empresas como o Twitter já se consideraram contrárias a essa
proposta, “por inibir a inovação”.
O Marco Civil não afeta os serviços das operadoras de conexão banda
larga. O único ponto próximo a essa questão é a neutralidade de rede,
que garante que nenhum dado trafegado pela internet possa ser
discriminado pelas operadoras. Mas isso se refere a conteúdo e não a
velocidade.
A noção de neutralidade de rede – que surgiu em uma lei americana
sobre telégrafos na década de 1860 – diz que dados não podem ser
diferenciados pelos provedores de conexão. Isso quer dizer que o
usuário, após contratar um serviço de internet em sua casa, tem a
liberdade de acessar o que quiser, baixar o tipo de conteúdo que quiser
(vídeo, imagem, texto), usar os serviços que quiser (redes sociais,
e-mail, serviços de armazenamento na nuvem, blogs, rádios online,
serviços de streaming, VoIP, etc) sem ter de pagar mais por isso.
As operadoras de telecomunicação são contrárias a esse princípio,
porque, sem ele, poderiam cobrar por pacotes de conteúdo. Por exemplo,
um plano só para acessar email e redes sociais poderia custar R$ 20,
enquanto um pacote que inclua o uso de Skype poderia chegar a R$ 50.
Censura é justamente o que o Marco Civil não quer. O texto que está
sendo discutido na Câmara garante exatamente o oposto à censura,
principalmente no que se refere à neutralidade de rede. Já o trecho que
fala sobre retirada de conteúdo, o artigo 20 e artigo 22, inicia
dizendo:
“Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a
censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser
responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências
para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo
assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente,
ressalvadas as disposições legais em contrário.”
Isso significa que uma empresa como o Google não pode ser punido por
não cumprir uma notificação de usuário, que lhe indicou um conteúdo
indevido. A punição só deve acontecer depois de ordem judicial.
O único caso de exceção está no Artigo 22, que diz que o provedor
poderá ser punido caso não retire do ar “imagens, vídeos ou outros
materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado
sem autorização de seus participantes quando, após o recebimento de
notificação pelo ofendido ou seu representante legal”, em referência ao
que se costuma chamar de revenge porn – imagens íntimas publicadas por parceiros sexuais sem consentimento na rede.
Já o usuário dono do conteúdo retirado, deve ser (segundo o artigo
21) comunicado sobre “os motivos e informações relativos à
indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o
contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal
ou salvo expressa determinação judicial fundamentada em contrário”, o
que, teoricamente, impede a notice and take down, ou seja, a retirada do conteúdo imediatamente após notificação.
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