Uma vacina brasileira contra o vírus HIV, causador da Aids, começará a
ser testada em macacos no segundo semestre deste ano. Com duração
prevista de 24 meses, os experimentos têm o objetivo de encontrar o
método de imunização mais eficaz para ser usado em humanos. Concluída
essa fase, e se houver financiamento suficiente, poderão ter início os
primeiros ensaios clínicos.
Denominado HIVBr18, o imunizante foi desenvolvido e patenteado pelos
pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP) Edecio Cunha Neto, Jorge Kalil e Simone Fonseca.
A pesquisa foi baseada no sistema imunológico de um grupo especial de
portadores do vírus que mantêm o HIV sob controle por mais tempo e
demoram para adoecer. No sangue dessas pessoas, a quantidade de
linfócitos T (tipo de células de defesa) do tipo CD4 – o principal alvo
do HIV – permanece mais elevada que o normal.
"Já se sabia que as células TCD4 são responsáveis por acionar os
linfócitos T do tipo CD8, produtores de toxinas que matam as células
infectadas. As TCD4 acionam também os linfócitos B, produtores de
anticorpos. Mas estudos posteriores mostraram que um tipo específico de
linfócito TCD4 poderia também ter ação citotóxica sobre as células
infectadas. Os portadores de HIV que tinham as TCD4 citotóxicas
conseguiam manter a quantidade de vírus sob controle na fase crônica da
doença", contou Cunha Neto à Agência Fapesp.
Os pesquisadores, então, isolaram pequenos pedaços de proteínas das
áreas mais preservadas do vírus HIV – aquelas que se mantêm estáveis em
quase todas as cepas. Com auxílio de um programa de computador,
selecionaram os peptídeos que tinham mais chance de ser reconhecidos
pelos linfócitos TCD4 da maioria dos pacientes. Os 18 peptídeos
escolhidos foram recriados em laboratório.
Testes in vitro feitos com amostras de sangue de 32 portadores
de HIV com condições genéticas e imunológicas bastante variadas
mostraram que, em mais de 90% dos casos, pelo menos um dos peptídeos foi
reconhecido pelas células TCD4. Em 40% dos casos, mais de cinco
peptídeos foram identificados. Os resultados foram divulgados em 2006 na
revista Aids.
Em outro experimento divulgado em 2010 na PLoSOne,
em parceria com Daniela Rosa, da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), e Susan Ribeiro, da FMUSP, os peptídeos foram administrados a
camundongos geneticamente modificados. Nesse caso, 16 dos 18 peptídeos
foram reconhecidos e ativaram tanto os linfócitos TCD4 como os TCD8.
O grupo, então, desenvolveu uma nova versão da vacina com elementos
conservados de todos os subtipos do HIV do grupo principal, chamado
grupo M, que mostrou-se capaz de induzir respostas imunes contra
fragmentos de todos os subtipos testados até o momento. "Os resultados
sugerem que uma única vacina poderia, em tese, ser usada em diversas
regiões do mundo, onde diferentes subtipos do HIV são prevalentes",
afirmou Cunha Neto.
No teste mais recente, feito com camundongos e ainda não publicado, os
pesquisadores avaliaram a capacidade dessa nova vacina de reduzir a
carga viral no organismo. "O HIV normalmente não infecta camundongos,
então nós pegamos um vírus chamado vaccinia – que é aparentado do
causador da varíola – e colocamos dentro dele antígenos do HIV", contou
Cunha Neto.
Nos animais imunizados com a vacina, a quantidade do vírus modificado
encontrada foi 50 vezes menor que a do grupo controle. Agora estão sendo
realizados experimentos para descobrir se, de fato, a destruição viral
aconteceu por causa da ativação das células TCD4 citotóxicas.
Os cientistas estimam que, no estágio atual de desenvolvimento, a
vacina não eliminaria totalmente o vírus do organismo, mas poderia
manter a carga viral reduzida ao ponto de a pessoa infectada não
desenvolver a imunodeficiência e não transmitir o vírus.
Segundo Cunha Neto, a HIVBr18 também poderia ser usada para fortalecer o
efeito de outras vacinas contra a Aids, como a desenvolvida pelo grupo
do imunologista Michel Nussenzweig, da Rockefeller University, de Nova
York, feita com uma proteína do HIV chamada gp140.
Macacos
A última etapa do teste pré-clínico será realizada na colônia de
macacos Rhesus do Instituto Butantan. A vantagem de fazer testes em
primatas é a semelhança com o sistema imunológico humano e o fato de
eles serem suscetíveis ao SIV, vírus que deu origem ao HIV.
O ensaio clínico de fase 1 deverá abranger uma população saudável e com
baixo risco de contrair o HIV, que será acompanhada de perto por vários
anos. Nesse primeiro momento, além de avaliar a segurança do
imunizante, o objetivo é verificar a magnitude da resposta imune que ele
é capaz de desencadear e por quanto tempo os anticorpos permanecem no
organismo.
Se a HIVBr18 for bem-sucedida nessa primeira etapa da fase clínica,
poderá despertar interesse comercial. A esperança dos cientistas é
atrair investidores privados, uma vez que o custo estimado para chegar
até terceira fase dos testes clínicos é de R$ 250 milhões. Até o
momento, somando o financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo e
Pesquisa do Estado de São Paulo) e do governo federal, foi investido
cerca de R$ 1 milhão no projeto.
Não é preciso se preocupar com a Aids porque já existe tratamento. MITO:
Aids é uma doença séria, e não dá pra descuidar. Apesar dela ter
tratamento, não tem cura e ainda faz muitas vítimas no mundo todo. Além
disso, os medicamentos devem ser tomados por toda a vida e podem causar
efeitos colaterais, como diarreia e vômito. "Tem pessoas que com o
tratamento conseguem diminuir o vírus no corpo a ponto dele não ser mais
detectável. Estas dificilmente transmitem o vírus. Mas isso não
significa que podem se descuidar", afirma o médico infectologista e
imunologista Esper Kalla. Da Agência Fapesp, em São Paulo
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